Kepler, quase de graça!

Como aplicação, vamos ao problema de Kepler. Na origem do sistema de coordenadas está o Sol, de massa $ M$. O vetor $ \vec{r}$ vai do Sol à Terra, de massa $ m$. A força, segundo Newton, é

$\displaystyle \vec{f}=-\frac{GMm}{r^2}\vec{e}_{r}$ (47)

Como o vetor $ \vec{r}$ é

$\displaystyle \vec{r}=r\vec{e}_{r}$ (48)

temos

$\displaystyle d\vec{r}=d(r\vec{e}_{r})=dr \vec{e}_{r}+r\;d\vec{e}_{r}$ (49)

Usando (30),

$\displaystyle d\vec{r}=dr \vec{e}_{r} +r\;d\phi\vec{e}_{\phi}$ (50)

e, "dividindo" por $ dt$,

$\displaystyle \frac{d\vec{r}}{dt} = \dot{r}\vec{e}_{r}+r\dot{\phi}\vec{e}_{\phi}$ (51)

onde usamos a notação de Newton: o ponto sobre o símbolo significa sua derivada no tempo.

A derivada segunda de $ \vec{r}$ não oferece novas dificuldades.

$\displaystyle \frac{d^2\vec{r}}{dt^2}= \ddot{r}\vec{e}_{r}+\dot{r}\frac{d\vec{e...
...+\frac{d}{dt}(r\dot{\phi})\vec{e}_{\phi}+ r\dot{\phi}\frac{d}{dt}\vec{e}_{\phi}$ (52)

As derivadas dos vetores de base podem facilmente ser calculadas usando (30) e (31). Obtemos:
$\displaystyle \frac{d\vec{e}_{r}}{dt}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \dot{\phi}\vec{e}_{\phi}$ (53)
$\displaystyle \frac{d\vec{e}_{\phi}}{dt}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\dot{\phi}\vec{e}_{r}$ (54)

Levando este resultado a (52), obtemos

$\displaystyle \frac{d^2\vec{r}}{dt^2}=\left(\ddot{r}-r\dot{\phi}^2\right)\vec{e}_{r} +\left(2\dot{r}\dot{\phi}+r\ddot{\phi}\right)\vec{e}_{\phi}$ (55)

A lei de Newton assume então a forma:

$\displaystyle -\frac{GM}{r^2}\vec{e}_{r}=\left(\ddot{r}-r\dot{\phi}^2\right)\vec{e}_{r} +\left(2\dot{r}\dot{\phi}+r\ddot{\phi}\right)\vec{e}_{\phi}$ (56)

Igualando os coeficientes dos vetores, temos as equações procuradas:
$\displaystyle -\frac{GM}{r^2}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \ddot{r}-r\dot{\phi}^2$ (57)
$\displaystyle 2\dot{r}\dot{\phi}+r\ddot{\phi}$ $\displaystyle =$ 0 (58)

O prosseguimento em direção à obtenção das soluções consiste, em primeiro lugar, em notar que, multiplicando a segunda, termo a termo, por $ r$, podemos reescrevê-la assim:

$\displaystyle 2r\dot{r}\dot{\phi}+r^2\ddot{\phi}=0$ (59)

que é a mesma coisa que

$\displaystyle \frac{d}{dt}\left(r^2\dot{\phi}\right)=0$ (60)

ou ainda

$\displaystyle r^2\dot{\phi}=$constante (61)

Não é dificil identificar esta constante (considerando, por exemplo, o caso particular de órbita circular): trata-se do momento angular por unidade de massa. Logo, introduzindo a notação

$\displaystyle L=mr^2\dot{\phi}$ (62)

para o momento angular, podemos escrever

$\displaystyle \dot{\phi}= \frac{L}{mr^2}.$ (63)

Inserindo este resultado em (57) e remexendo um pouco, obtemos a equação

$\displaystyle \ddot{r}+\frac{GM}{r^2}-\frac{L^2}{m^2 r^3}=0$ (64)

Resolvendo-se esta equação diferencial para $ r(t)$ e usando-a em

$\displaystyle \dot{\phi}=\frac{L}{mr^2}$ (65)

podemos determinar $ \phi(t)$. Isto determina completamente o movimento (Para um tratamento completo deste problema, veja Sommerfeld, Mechanics, §6, pg.38.) Vamos fazer uma análise qualitativa do movimento, usando a equação (64). Esta equação não contém o ângulo $ \phi$. Pode ser pensada como a equação de movimento como visto por um observador que gira junto com a Terra, e só percebe o movimento radial. Como não é um sistema inercial, devemos estar prontos para achar forças de inércia.

De fato, multiplicando (64) por $ m$, temos

$\displaystyle m\ddot{r}=-\frac{GMm}{r^2}+ \frac{L^2}{mr^3}$ (66)

ou seja, a massa vezes a aceleração (neste sistema a única aceleração é a radial) é igual à força de Newton mais uma força que é zero se o momento angular $ L$ for zero. Esta força é chamada de "força centrífuga", e é uma força de inércia.

Multiplicando termo a termo por $ \dot{r}$, obtemos

(67)

que pode ser escrita assim:

(68)

ou seja,

(69)

onde $ E$ é uma constante. Podemos interpretar esta equação assim: a energia $ E$ é constituída da energia cinética $ \left(\frac{m}{2}(\dot{r})^2\right)$ mais a energia potencial, que vem em duas partes: uma atrativa, e uma repulsiva, $ \left(\frac{L^2}{2mr^2}\right)$. Denotando por $ U(r)$ a soma das duas energias potenciais, temos o seguinte gráfico:


\begin{pspicture}(0,0)(8,6)
\psline(0,0)(0,6)
\psline(0,2)(8,2)
\psbezier(0.3,6)...
...,1.6){$E$}
\uput[0](1.2,1.3){$r_{a}$}
\uput[0](4.1,1.3){$r_{b}$}
\end{pspicture}

O movimento só é permitido nas regiões onde $ E\geq U(r)$, do contrário teríamos energias cinéticas negativas, o que é impossível. Se o planeta tem energia $ E$ como na figura, seu movimento radial se dá entre os dois pontos em que a linha tracejada corta a curva de $ U(r)$, denotados na figura por $ r_{a}$ e $ r_{b}$. Há então um valor máximo e um mínimo de $ r$, correspondendo ao movimento elíptico com o perihélio e o afélio sendo, respectivamente, $ r_{a}$ e $ r_{b}$. Notem que, para a reta da energia que tangencia a curva de de $ U(x)$ (no seu mínimo), temos um único valor possível para $ r$ : a órbita é circular. Vemos assim que, para um determinado momento angular fixo, a órbita de menor energia é a órbita circular.


Henrique Fleming (junho de 2004)
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